Da esquerda para a direita, Carolina Fuschino, Arn Migowski, Nara Beú e Lilian Marinho. Geraldo Magela/Agência Senado |
A qualidade da informação e o rastreamento e prevenção do
câncer de mama por meio de mamografias foram discutidos, nesta quinta-feira
(16), em audiência pública sobre o Outubro Rosa, realizada no âmbito do
programa Quintas Femininas, da Procuradoria Especial da Mulher no Senado. A
moderação na frequência do exame na faixa etária abaixo da recomendada pelo
Ministério da Saúde, que é de 50 a 69 anos, foi uma das orientações dadas pelos
profissionais que participaram do debate.
De acordo com a médica Carolina Fuschino, da Sociedade
Brasileira de Mastologia (SBM), o ideal é direcionar a realização das
mamografias para a chamada faixa prioritária, na qual há maior impacto na
diminuição da mortalidade, mas sem abandonar as outras. A partir dos 40 anos,
acrescenta, algumas organizações médicas sugerem que se faça o exame para o
chamado rastreamento — para mulheres com baixa probabilidade de desenvolvimento
de tumores — porque também há um impacto na mortalidade, embora menor.
— A mamografia não é um exame que não vai ter efeitos
colaterais. Se você aumenta muito o número de mamografias ao longo da sua vida,
essa radiação a que você vai estar submetida tem efeitos cumulativos. Isso não
vai ter um impacto importante para surgimento de cânceres. Mas, a partir do
momento em que você começa a fazer mais cedo, essa radiação vai ser maior ainda
— explicou.
A mudança de postura se deve, entre outros pontos, ao
chamado overdiagnóstico. De acordo com Arn Migowski, sanitarista,
epidemiologista, tecnologista da Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede
do Instituto Nacional de Câncer (Inca), muitos dos casos detectados num estágio
bem inicial poderiam nem mesmo ter se desenvolvido e se tornado câncer. Além
disso, pesquisas demonstram que, mesmo com o crescimento do diagnóstico precoce
de tumores nas mamas, a sobrevida das mulheres não aumentou significativamente.
Os dois médicos mencionaram um estudo canadense que
acompanhou por 25 anos grupos de mulheres que se submeteram ao rastreamento por
mamografia e outras que fizeram apenas o exame físico. A sobrevida, o tempo de
vida e o risco de morte nos dois grupos foram idênticos, não houve diferença
estatística importante. Apesar de o estudo ter sido considerado uma “bomba” na postura
terapêutica adotada até então, Carolina Fuschino salientou que a realidade
canadense não pode ser transportada para outros países.
— No Canadá, um mês depois de detectado o tumor, a paciente
já está em tratamento. No Brasil não conseguimos nem rastrear — registra.
Ambos os médicos também refutaram a ideia de que o
rastreamento se tornou inútil e concordaram que ele deve ser realizado após
debate com o profissional médico, considerando malefícios e benefícios. Eles
insistiram que a educação, a percepção corporal e uma vida saudável, com
alimentação equilibrada, são essenciais para a saúde da mulher.
Tirania do rosa - A ativista Lilian Marinho, da Rede
Feminista de Saúde, Diretos Sexuais e Reprodutivos, acusou a construção, por
todo o Brasil, de uma “tirania do rosa”, com a iluminação de monumentos em
várias cidades em alusão ao chamado Outubro Rosa e a imposição de um “véu da
alegria” que acaba mascarando as verdadeiras necessidades: o fim da
desinformação e o incremento da comunicação; e a atuação rápida nos casos
diagnosticados de câncer de mama e colo de útero, pois o tempo é a melhor arma
para o tratamento. Segundo disse, o Estado brasileiro não pode somente lançar
uma suspeita de câncer sobre uma mulher sem garantir a ela continuidade e
rapidez no tratamento em caso de diagnóstico positivo.
— Queremos que com o Outubro Rosa [a atenção] se estenda,
para que se garanta a essas mulheres o que vem depois, tratamento e
acompanhamento — propõe.
Apesar de elogiar a campanha, que semeia a necessidade do cuidado,
Lilian criticou os problemas de comunicação entre a população-alvo e as
entidades e profissionais da área de saúde envolvidos com o tema. Algumas
mulheres na faixa de 40 anos, por exemplo, exigem o direito assegurado em lei
de fazer a mamografia preventiva, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) mal
consegue garantir o procedimento à faixa etária prioritária, dos 50 aos 69
anos, observa.
Além disso, ela aponta falta de infraestrutura como a
existência de poucos laboratórios de alto risco para câncer, a lentidão na
continuidade do tratamento e interesses econômicos e da indústria de
medicamentos e de aparelhos — que levam a discussões sobre qual mamógrafo é
melhor, analógico ou o digital, quando há lugares sem nenhuma opção — como
fatores que lesam o direito de cada mulher ser tratada e, em casos extremos e
não mais tratáveis, de ter uma sobrevida digna, sem dor e sofrimento.
Lilian Marinho também cita fatores como as desigualdades
regionais, a falta de atenção a grupos específicos como presidiárias, albinas e
moradoras de rua como problemas para a universalização do atendimento.
Assim como Lilian Marinho, Carolina Fuschino também aponta a
falta de comunicação, de uma relação próxima e com empatia entre médico e
paciente e de informação de qualidade como entraves ao diagnóstico e tratamento
do câncer de mama e de colo de útero.
— No Brasil, não temos um estudo que mostre como está se
dando, na prática clínica, a transmissão do conhecimento para o paciente, para
ajudar na decisão do tratamento e do rastreamento. A comunicação é muito
difícil — lamenta.
Ela cita que a ausência de informação é tanta que o Outubro
Rosa pode passar até mesmo uma mensagem equivocada, de que a mamografia evita o
câncer de mama, como se fosse uma vacina, em vez de somente detectá-lo precocemente.
Agência Senado
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